quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A energia que há



O que eu sinto não mais se traduz em palavras
Entender ou sentir é possível ou apenas imaginável.
Se não sentes, imaginas?

O que eu vivo não mais se refere apenas a mim
Confunde-se num entrelaçamento de ondas
Onde as ações falam e determinam o ritmo.

O que eu vejo é uma luz que flameja
E ousa às vezes querer não existir
Como se o querer fosse absoluto e não apenas um ato.

O que há, então, senão, existir e vibrar?
Conduzir e aprender a amar?
Se assim não for nada há.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

No meio do caminho
 
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
 

Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 4 de janeiro de 2011


Água



Minha alma é a água que deságua
É o eco que no beco da vida não tem vez
É a corda que não sobra e que escoa e é água
Nos teus pêlos, nos teus pois, nos teus contos
Há uma voz que é encanto
Há um vazio que é o meu lírico manto
Há um rio e é água que eu também sou.



AUTOPSICOGRAFIA


O POETA é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
                            
                                Fernando Pessoa