terça-feira, 15 de novembro de 2011

O UNIVERSO


O Universo não é uma idéia minha.
A minha idéia do Universo é que é uma idéia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos,
A minha idéia da noite é que anoitece por meus olhos.
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
A noite anoitece concretamente
E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso.

(Alberto Caeiro -  famoso heterônimo de Fernando Pessoa)

QUERO DOS DEUSES




Quero dos deuses só que me não lembrem.
Serei livre - sem dita nem desdita,
Como o vento que é a vida
Do ar que não é nada.
O ódio e o amor iguais nos buscam; ambos,
Cada um com seu modo, nos oprimem.
A quem deuses concedem
Nada tem liberdade.
                                  (Ricardo Reis famoso heterônimo de Fernando Pessoa)

 

domingo, 6 de novembro de 2011

Flores

Flores são para um amor bonito
Tranquilo
Para um amor Amor
E não para um amor aquilo
Cheio de perigo de nome paixão.

Flores são surpresas doces
Sabor chocolate
A se oferecer
Sem medo de errar
Sem pressa de ser.

                             Raissa Lopes - Brisas e Bailes

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Noite escura da alma

Na escuridão, segura,
Pela secreta escada, disfarçada,
Oh, ditosa ventura!
Na escuridão, velada,
Já minha casa estando sossegada.

Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa,
Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.

Essa luz me guiava,
Com mais clareza que a do meio-dia,
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia,
Em sítio onde ninguém aparecia.

Oh, noite que me guiaste!
Oh, noite mais amável que a alvorada!
Oh, noite que juntaste
Amado com amada,
Amada já no Amado transformada!
Em meu peito florido
Que, inteiro para ele só guardava,
Quedou-se adormecido,
E eu, terna, o regalava,
E dos cedros o leque o refrescava.

Da ameia a brisa amena,
Quando eu os seus cabelos afagava,
Com sua mão serena
Em meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava.

Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado;
Tudo cessou. Deixei-me,
Largando meu cuidado
Por entre as açucenas olvidado.
                                           São João da Cruz
Segundo Plano

O que eu vejo é apenas parte do que existe
O que existe deslumbra e desnuda a extrema beleza
Ao fundo de cada cena a água continua a evoluir
E o verde da natureza que é temporário
Como o amor que se muda de templo
Colore o universo tão multi e avesso
De tantos lados e ângulos, onde inquietos, nós tentamos existir.



domingo, 16 de outubro de 2011

Vi Jesus Cristo Descer à Terra
 Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça! 

 Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema VIII"
Heterónimo de Fernando Pessoa
Como a Noite é Longa!
 Como a noite é longa!
Toda a noite é assim...
Senta-te, ama, perto
Do leito onde esperto.
Vem p’r’ao pé de mim...

Amei tanta coisa...
Hoje nada existe.
Aqui ao pé da cama
Canta-me, minha ama,
Uma canção triste.

Era uma princesa
Que amou... Já não sei...
Como estou esquecido!
Canta-me ao ouvido
E adormecerei...

Que é feito de tudo?
Que fiz eu de mim?
Deixa-me dormir,

Dormir a sorrir
E seja isto o fim.


Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
Reinvenção
A vida só é possível
reinventada.


Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... — mais nada.


Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.


Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.


Não te encontro, não te alcanço...
Só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só — na treva,
fico: recebida e dada.


Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.
 
Cecília Meireles

domingo, 18 de setembro de 2011




...Ide para os vossos campos e jardins e aprendereis que o prazer da abelha consiste em retirar o mel da flor.Mas também a flor tem prazer em dar o seu mel à abelha.Pois para a abelha a flor é uma fonte de vida. E para a flor a abelha é mensageira de amor.E, para ambas, abelha e flor, o dar e o receber de prazer é uma necessidade e um êxtase.
( Frases e Pensamentos de KAHLIL GIBRAN)

quinta-feira, 23 de junho de 2011

UMA SOMBRA

Na íris de outros olhos foi azul,
vermelho
e ouro vivo.
Na íris dos seus olhos foi a prata,
o verde
e a voz indefinível das marés.
No matiz da paixão
não se atreveu o branco.
No inverno foi a sépia
a devassa dos troncos,
do lajedo.

Depois da cor
há-de vir uma sombra.
Um soluço, um vibrato,
uma vertigem,
uma sombra, uma sombra...


Licínia Quitério

domingo, 29 de maio de 2011

Amar


Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
                                                                                   Carlos Drummond de Andrade
Tristeza no céu


No céu também há uma hora melancólica.
Hora difícil, em que a dúvida penetra as almas.
Por que fiz o mundo? Deus se pergunta
e se responde: Não sei.
Os anjos olham-no com reprovação,
e plumas caem.
Todas as hipóteses: a graça, a eternidade, o amor
caem, são plumas.
Outra pluma, o céu se desfaz.
Tão manso, nenhum fragor denuncia
o momento entre tudo e nada,
ou seja, a tristeza de Deus.
                Carlos Drummond de Andrade
Não sei quantas almas tenho


Não sei quantas almas tenho
Cada momento mudei
Continuamente me estranho
Nunca me vi nem acabei
De tanto ser, só tenho alma
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.
                                         Fernando Pessoa
CANÇÃO DO DIA DE SEMPRE


Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens do céu...
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
 
                               Mario Quintana
                              Canções
As ilusões perdidas


Fumar é um jeito discreto de ir queimando as ilusões perdidas daí, esse ar entre aliviado e triste dos
fumantes solitários. Vocês já repararam que nenhum deles
fuma sorrindo?
Mário Quintana - Esconderijos do Tempo

sábado, 9 de abril de 2011

A paz



A paz que adormece em meio à vida
Reluta e não aceita o sono
Grita pela luz que a verdade pede
Sonha com cada instante de eterna beleza
Mas ousa em pagar o preço da mudança
Perde toda a pluma que adorna a vida
Mas, nunca pára de querer ser plena.

Os sonhos que transbordam águas cristalinas
Trazem a tona também águas pobres
Gélidas e calmas como as cinzas da amargura
Restos mortais de viventes nobres
Povoando a superfície de uma tempestade nua

Hoje


Hoje eu quase fui,
Sincero,
Austero,
Honesto,
Direto,
Concreto,
Ouvinte,
Falante,
Tocante,
Sensível
Hoje, 
Eu quase vivi.



segunda-feira, 4 de abril de 2011

Palco de sentimentos expostos


Convido-te a entrar
e visitar minha alma, minha casa,
umas vezes encontras-te em mim
outras vezes encontras-te só,
terás momentos de reflexão,
outras vezes... não pensas sequer,
mas nesta galeria envidraçada
convido-te a conhecer...

A minha casa!
É um palco de sentimentos expostos,
umas vezes fonoflimes feitos no acaso,
outras vezes... É o silêncio bífido
que a assombra.
Gargalhadas sem sentido, alguns
sorrisos embriagados,
loucas!...contundentes palavras afônicas.
                                
                                  Caopoeta (Portugal)